Por que um Curso Regular de Espiritismo

Palavras do Fundador do ICEB

Deolindo Amorim
Em 29/11/1958 quando do encerramento do 1º ano do Instituto

“O Instituto é uma entidade nova, mas não tem a pretensão de ser original, visto como a idéia de cursos de Espiritismo é muito mais antiga do que a nossa geração, conquanto muitas pessoas ainda vejam nisto um arremedo acadêmico, sem utilidade para o progresso do Espírito. Não é verdade, e é o bom senso, é a experiência que o demonstra. Que nos baste apenas recordar que partiu do próprio Allan Kardec a primeira idéia de um curso regular de Espiritismo. Está em “Obras Póstumas”, no projeto de 1868, já muitas vezes citado. Um curso – dizia ele – para “desenvolver os princípios da ciência e difundir o gosto pelos estudos sérios”. Estudos sérios – note bem – e o Espiritismo é para ser estudado com seriedade. Considero esse curso – dizia Kardec – como de natureza a exercer capital influência sobre o futuro do Espiritismo e sobre suas conseqüências.
A Idéia, portanto, vem de longe. Kardec, com a sua iluminação espiritual, já previa há quase um século, a repercussão do Espiritismo também na cultura humana, e por isso ele próprio chegara a dizer que o Espiritismo ainda viria retificar os erros da História. Como poderia o Espiritismo influir na vida cultural sem adeptos capazes, sem estudo metódico, sem elementos de convicção inteligentemente ordenados para o boa apresentação da doutrina? Já em 1888, na Espanha, quando se reuniu, em Barcelona, o 1º Congresso Espírita Internacional, duas grandes recomendações, entre outras, foram aprovadas naquele Congresso: a 1ª , pedindo a supressão da pena de morte, aspiração que o Espiritismo continua a defender, até hoje, até mesmo contra a opinião de alguns dignitários da Igreja Católica, como aconteceu há pouco tempo, durante um debate jurídico em Curitiba; a 2ª recomendação sugeria que se introduzissem os elementos da doutrina espírita nas escolas superiores. (É o que se lê nos Anais do Congresso).
A mesma idéia de se levar o Espiritismo às Universidades foi esposada por Ernesto Bozzano. Já se fala atualmente, em criar a cadeira de Parapsicologia nas Universidades. Entendemos, todavia, que tanto a Parapsicologia, quanto a Metapsíquica, uma vez introduzida no ensino oficial sem vinculação aos princípios espíritas, poderá ser, em última hipótese, um elemento de negação do Espiritismo, desde que venha a sofrer influência materialista. Seja como for, a verdade histórica está demonstrando que sempre se pensou em curso de Espiritismo, como sempre se pensou em projetar o Espiritismo nos meios cultos, para que desapareça a falsa noção de que o Espiritismo seja uma superstição ou crença de analfabetos.
Gabriel Delanne também preconizou a criação de um instituto, tipo Faculdade, em que se pudesse estudar a base do Espiritismo em conexão com as ciências afins. Aqui mesmo no Brasil, ao tempo da velha Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, de que já falamos nas palestras sobre “História do Espiritismo” houve tentativa semelhante.
E poderíamos apontar ainda muitos outros exemplos. Fundou-se há pouco, na Argentina, o Colégio de Estudos Psíquicos. Já existe, nos Estados Unidos, o Instituto “Morris Patt”, onde se estuda a parte fenomênica do Espiritismo através de um currículo de três anos. Tudo isto indica, finalmente, uma preocupação, sem sempre bem definida, de investigar o aspecto científico do Espiritismo em face dos recursos da cultura moderna.
Para poder acompanhar as novas cogitações e não ficar à margem dos conhecimentos humanos como doutrina ultrapassada, ainda que o não seja, o Espiritismo precisa, atualmente, dispor de certos meios adequados às solicitações de nossa época. O Espiritismo, pelos seus fundamentos, que jamais foram abalados, pode enfrentar qualquer domínio de especulação, mas é necessário que o elemento humano esteja suficientemente aparelhado, esteja bem atualizado em relação às descobertas científicas e aos novos rumos do pensamento. O estudo regular, para determinados fins, é uma necessidade. É certo que não podemos desprezar o conhecimento empírico, isto é, aquele conhecimento que nos traz os resultados da experiência prática, especialmente porque as ciências começam sempre pelo empirismo e pela formulação das hipóteses, até que se consolidem sobre determinados pontos de certeza. Se é certo que se não deve relegar a contribuição empírica, também é certo que ninguém, judiciosamente, seria capaz de colocar o empirismo acima do conhecimento regular, do conhecimento metódico, indispensável à disciplina do espírito. O Espiritismo não pode prescindir, até certo ponto, de certos conhecimentos esparsos, mas não é uma doutrina empírica, e por isso comporta e exige o estudo regular, a metodização, o raciocínio claro. A doutrina justifica, ela própria, a existência de cursos regulares do Espiritismo.
E agora, para encerrar, chegamos ao ponto nevrálgico: é indispensável que a cultura humana jamais venha a sobrepujar a cultura espiritual. Isto seria a inversão da ordem lógica. Um Curso de Espiritismo deve ter a preocupação precípua dos valores espirituais sem subestimar os valores do mundo. O perigo está em trocar as posições e fazer da cultura humana o fim quando ela é apenas um meio.
Lembremo-nos de que o Espiritismo, como afirma Kardec, na Gênese, participa, ao mesmo tempo, do conhecimento humano e do conhecimento espiritual. O conhecimento humano abre o caminho, mas não é o ponto final da jornada, porque o espírito não pode progredir sem melhorar o seu sentimento, sem se elevar moralmente pelas realizações íntimas, embora lhe seja necessária a ciência humana.
A orientação básica do Instituto de Cultura Espírita do Brasil não pode sair desta linha de pensamento. Se é a Verdade que nos torna livres, como ensina o Evangelho, nosso insubstituível código de moral, precisamos e devemos marchar em busca da Verdade nos dois planos, que se completam e nunca se repelem: a cultura humana e o da cultura espiritual. “É este, em conclusão, o pensamento da Diretoria de nosso Instituto.”

O Instituto de Cultura Espírita do Brasil tem suas raízes na antiga Faculdade Brasileira de Estudos Psíquicos, do então estado da Guanabara. E nas palavras do próprio Deolindo:
“É provável que muitos confrades nossos, no próprio meio espírita, desconheçam a história da Faculdade Brasileira de Estudos Psíquicos, iniciativa e realização de um grupo de idealistas.”
Conta-nos Deolindo que “o maior objetivo da Faculdade de Estudos Psíquicos era justamente despertar interesse pelos estudos espiritualistas em geral, e, de um modo especial, melhorar o nível intelectual de doutrinadores e expositores da Doutrina Espírita, dando-lhes oportunidade franca de formar um lastro de cultura capaz de atender às próprias exigências da vida moderna em relação à divulgação da doutrina. Foi sob esta feliz inspiração que nasceu a Faculdade. Entre seus fundadores e professores, havia elementos oriundos de diversas correntes espiritualistas: umbandistas, teosofistas, esoteristas, etc., mas alguns espíritas logo se juntaram ao grupo, justamente porque compreenderam e sentiram os objetivos da iniciativa.”
Impunha-se assim o cenário onde o ICEB lançaria suas raízes – espaço aberto para todas as crenças.